Nicholas Roerich - Cenários Fabulosos, grandiosos, figuras e símbolos religiosos compõem
a obra de Nicholas Roerich, um dos pintores mais famosos da história da arte. Porém,
mais do que isso, sua obra ficou conhecida por tentar estabelecer caminhos espirituais
que abrangessem toda a humanidade.
As histórias que se contam a respeito
do pintor, explorador e místico russo Nicholas Roerich (1874-1947) não são
poucas. Alguns dizem que, entre suas cerca de sete mil pinturas, existem visões
proféticas da Primeira Guerra Mundial. Outros têm como certo que, durante suas
expedições ao Tibete, ele teria entrado em contacto com informações secretas
importantes. O pesquisador David Hatcher Childress diz que, ao norte das
montanhas Kun Lun, em Sinkiang, Roerich ouviu falar a respeito do Vale dos
Imortais, localizado acima das montanhas. O próprio artista escreveu, na obra
Shambala (Ed. Nova Era), que atrás da montanha viviam homens santos capazes de
salvar a humanidade por meio de sua sabedoria.
Também se diz que ele esteve na posse
de uma “pedra mágica de outro mundo”, conhecida como a Pedra Chintamani, originária
do sistema de Sirius. Segundo se diz, textos antiqüíssimos relatam que um“mensageiro
divino” deu um fragmento da pedra ao imperador Tazlavoo, da Atlântida. Como
teria ido parar às mãos de Roerich, não se sabe, mas ela teria sido enviada à
Europa para ajudar no estabelecimento da Liga das Nações, o que ocorreu em
1919. Posteriormente, com o fracasso da Liga, em 1946, a pedra teria retornado à
posso de Roerich, que poderia tê-la levado para o Vale dos Imortais ou para
Lhasa. Para alguns grupos ligados à Fraternidade Branca, Roerich é considerado
um dos mestres ascensos, ou seja, colocado numa categoria especial, não apenas
por seu conhecimento místico, mas por sua postura na Terra como alguém que
lutou pela paz e pela igualdade entre os homens. Se existem dúvidas quando à
veracidade dessas histórias, o fato é que Roerich teve um contacto muito próximo
com o Oriente, especialmente em seus aspectos místicos, e isso é visível em
grande parte da sua obra; são inúmeros os quadros retratando o Himalaia de Nicholas Roerich importantes da história religiosa da
região, de Arjuna e Krishna a Moisés e Issa, o nome pela qual alguns
pesquisadores acreditam que Cristo era conhecido na Índia. Nascido em São
Petersburgo, na Rússia, desde cedo Nicholas Konstantinovich Roerich teve
contacto com um ambiente cultural em que proliferavam artistas, escritores e
cientistas. Já aos nove anos, foi convidado por um arqueólogo para participar
de explorações na região, experiência que despertou seu interesse em coleccionar
artefactos pré-históricos, moedas e minerais. Da mesma forma, ainda jovem, já demonstrava a capacidade
para a pintura e começou a cursar a Academia de Arte em 1893, ao mesmo tempo em
que fazia faculdade de Direito, por exigência do pai.
Ele esteve ligado a movimentos de
vanguarda nas artes russas que antecederam a revolução de 1917, como a revista
The World of Art (O Munda da Arte), fundada por Sergei Diaghilev e pela
princesa Maria Tenischeva. E foi após terminar sua tese universitária que
Roerich
conheceu Helena, com quem se casou em
seguida. Certamente, Helena colocou Nicholas em contato mais íntimo com os
conhecimentos religiosos e místicos do Oriente. Ela foi a autora do livro The
Foundations os Buddhism e de uma tradução da Doutrina Secreta, de Helena Blavatsky.
Mais tarde, Helena e Nicholas fundariam a Agni Yoga Society, em Nova York, que defendia
uma ética viva e compreensiva e sintetizava os ensinamentos religiosos e filosóficos
de todas as épocas.
Sua primeira pintura com tema religioso
foi realizada em 1904 e, em seguida, começou a retratar santos e lendas russas.
Em algumas obras, ele pintou anjos que, segundo os estudiosos de sua vida, eram
as primeiras descrições dos mestres hierarcas que faziam parte da crença de
Roerich numa “grande fraternidade” que cuidava e guiava a humanidade em sua jornada
eterna em busca da evolução. Outro sinal de sua relação com a religiosidade e misticismo
encontra-se, segundo estudiosos, na utilização constante da palavra “tesouro”
nos títulos de suas obras, indicando não uma riqueza material, mas a riqueza espiritual
que está ao alcance de todos que se propuserem a procura-la.
O contato com Diaghilev levou Roerich a
participar de momentos importantes das artes russas a partir de 1906, quando
Diaghilev apresentou inúmeros artistas ao público europeu, especialmente Paris.
Alguns anos antes da Primeira Guerra
Mundial, Roerich começou a realizar uma série de pinturas que demonstravam sua
sensação de que um cataclismo se aproximava da Europa e, mais especificamente,
da Rússia. Suas obras se tornam simbólicas e alegóricas, referindo-se ao eterno
conflito entre o Bem e o Mal.
Com a revolução na Rússia, em 1917,
Roerich e a família começaram a pensar em viajar para a Índia, uma vez que
seria perigoso retornar ao país; mas a viagem só ocorreria anos depois.
Enquanto isso, ele foi para Londres e, depois para os EUA, onde exibiu suas
telas em inúmeras cidades. Naquele país, Roerich manteve sua ideia de viajar à Índia,
e grande parte das pinturas realizadas nessa época demonstra seu interesse pela
espiritualidade do Oriente.
Biógrafos dizem que seus poemas
escritos entre 1916 e 1919 reflectem sua busca espiritual; eles foram publicados
em Berlim, em russo, com o título Flowers of Morya, e em inglês, como Flame in
Chalice. Os poemas são considerados importantes para entender o simbolismo que ele
tilizou em suas pinturas. Segundo a
estudiosa Irina Corten – autora de Flowers of Morya:
The Theme of Spiritual Pilgrimage in
the Poetry of Nicholas Roerich - o autor
tinha um sistema de crença centrado na concepção hindu do universo, sem início
e sem fim, e que se manifesta em ciclos recorrentes de criação e destruição das
formas materiais, devido à pulsação da energia divina. No plano humano, isso
significa o desenvolvimento e a queda de
civilizações e, individualmente, a reencarnação.
Assim, em maio de 1923 finalmente
Roerich conseguiu realizar a tão esperada viagem à Índia, à procura de seus laços
espirituais mais profundos. A passagem pela Índia começou, com visitas aos
centros de cultura e locais históricos, além de encontros com cientistas,
estudiosos, artistas e escritores. Logo ele e a sua família tinham
chegado ao sopé do Himalaia, que era
seu verdadeiro interesse. A trajetória escolhida levou-o ao Turquistão chinês,
Mongólia e Tibete, seguindo por regiões não mapeadas, onde esperava estudar as
religiões, idiomas, costumes e a cultura dos habitantes. Essa primeira expedição
foi registada com detalhes em seu livro Heart of Ásia, para não falar das cerca
de 500 pinturas que retratam os locais que visitou e as figuras e conceitos religiosos
com os quais entrou em contato; surgem imagens das gigantescas montanhas do
Himalaia, de Cristo, Maitreya, Buda, Moisés, Confúcio e outros; algumas ligadas
às histórias sobre Shambala, a cidade que, ora é descrita como estado escondida
nos subterrâneos do Himalaia, ora como um local existente em outra dimensão, ao
qual apenas alguns poucos escolhidos têm acesso.
Segundo os estudiosos de sua obra, ao
pintar os líderes e santos de diferentes religiões, Roerich estava reafirmando
sua crença na bondade da vida e na espiritualidade dos seres humanos, assim
como acreditava que as religiões eram uma única coisa, de modo que a fé humana
tinha uma raiz comum.
Ele também pintou uma série de deidades
femininas. Helena Roerich escreveu sobre a visão de seu marido a respeito da
posição da mulher no mundo, e que certamente antecipa algumas das posturas que
se espalharam pelo planeta posteriormente. A odeia básica é de que no
momento em que as mulheres se livrarem
da “hipnose” que as mantém subjugadas e presas à noção de que são mentalmente
inferiores, irão criar um novo mundo, em colaboração com o homem.
Os biógrafos afirmam que a presença de
Helena foi fundamental em sua vida, não apenas
inspirando, mas dividindo o trabalho de
criação e de pesquisa, o que o próprio Nicholas confirmou em seu diário.
A expedição terminou em 1928, e a família
se estabeleceu no Vale de Kulu, a cerca de 2.000 metros de altitude, aos pés do
Himalaia. Foi lá que fundaram o Urusvati Himalayam Reaserch
Instituto, com o objectivo de estudar
os resultados de sua expedição e das que ainda seriam realizadas. As actividades
incluíam estudos botânicos, etnológicos e linguísticos além da
exploração de
sítios arqueológicos. Nicholas contou com a ajuda de seus filhos, George e Svetoslav
formando uma colecção de ervas medicinais, da farmacopeia tibetana e chinesa, e
do conhecimento médico antigo.
Em 1929, Roerich retornou a Nova York e
tentou levar adiante uma ideia que tinha em mente desde 1914: um tratado de protecção
internacional aos tesouros culturais, tanto em tempo de guerra quanto em paz.
Consultou advogados especializados na legislação internacional e
formulou um Pacto, sugerindo que uma
bandeira, que ele chamou de Bandeira da Paz, seria colocada em todos os locais
sob sua protecção. A bandeira tinha três interpretações: Uma diz que as esferas
representavam a religião, a arte e a ciência como diferentes aspectos da cultura,
o círculo que as envolvia; a outra diz que as esferas representam as realizações
passadas presentes e futuras da humanidade, guardadas pelo círculo da
Eternidade. Esse símbolo pode ser visto no Selo de Tamerlão, nas jóias do
Tibete, Cáucaso e Escandinávia, e em artefactos bizantinos e de Roma. A imagem
da Madona de Estrasburgo é adornada com ele, e pode ser visto em várias
pinturas de Roerich.
Essa proposta representava sua visão de
um futuro para a humanidade, em que todos estivessem unidos, segundo ele
escreveu “(…) da maneira mais fácil, criando uma linguagem comum e sincera.
Talvez através da Beleza e do Conhecimento. Em 1935, as nações da América
assinaram o Pacto Roerich, na Casa Branca, em Washington, e ainda existem organizações
em todo o mundo que fazem de tudo para que o tratado seja mantido e respeitado.
Quase todos os estudiosos de sua vida e obra entendem que seu trabalho esteve
voltado para o despertar espiritual da humanidade, que ele considerava
fundamental para nosso futuro. Queria que a humanidade estivesse preparada para
a Nova Era, na qual Rigden Jyepo (considerado o soberano do mundo subterrâneo,
citado por Ferdinand Ossendovski em Bestas, Homens e Deuses) iria reunir seu exército
e, sob a Bandeira da Luz, derrotar as trevas. Perseguiu a beleza,
considerando-a sagrada, e acreditando que, mesmo que os templos e artefactos
construídos pela humanidade pudessem se acabar, o pensamento que fez com que
essas obras existissem não morreria, pois é parte de uma corrente eterna de consciência.
Roerich morreu em Kulu, em 1947,
deixando um legado que ultrapassa a fantástica quantidade de quadros pintados.
Sem dúvida, ele foi um dos precursores dos movimentos pacifistas que
proliferaram em anos mais recentes, acreditando que a paz e a unidade da raça humana
eram absolutamente necessárias para a sobrevivência do planeta e para um processo
contínuo de evolução espiritual.
Extraído da revista Sexto Sentido 43; páginas
18-22
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